Pelotas, a mais negra das cidades gaúchas, vive dias tensos. Em 2015, o município atingiu a marca de cem homicídios em um único ano - o número diminui em 2016, mas segue alto. A maioria, de jovens negros envolvidos com o tráfico de drogas. A segregação, que nutre a exclusão social, porém, teve nessa semana uma derrota: Lisiane Lemos, pelotense de 27 anos, teve seu rosto negro estampado na 30 under 30, lista da revista Forbes Brasil que elege brasileiros com menos de 30 anos que sejam destaque em diversas áreas de atuação - no caso dela, o âmbito social e colaborativo.

A relação com o Movimento Negro teve início ainda dentro de casa, sob influência da mãe, Rosemar Lemos, chefe do Núcleo de Ações Afirmativas e Diversidade/UFPel, e do pai,  Dr. Claudinei Lemos, mediador de conflitos. No Ginásio do Areal, o primeiro projeto: De Mãos Dadas com Nossas Raízes e Irmãos, cujo objetivo era trabalhar a autoestima da população negra da localidade. Em paralelo, Lisiane passou a atuar na ONG Odara, grupo com a intenção de promover o empoderamento através da dança e da autoidentificação pela História. "Foi muito importante no contato que tive enquanto comunidade. Compartilhamento de história, conhecer minha história, a me orgulhar daquilo", comenta.

Há quatro anos, quando migrou para São Paulo, bagagem de todos os anos anteriores às costas, Lisiane escolheu como foco de batalha a inserção do negro dentro do mundo corporativo, tornando este ambiente mais diverso e democrático. "A gente tem visto uma receptividade para a representatividade, não só na questão racial, mas para com deficientes, população LGBT. Por ser algo novo, as empresas estão trazendo os movimentos sociais para dialogar, ver como o cliente enxerga isso como sendo importante. É um movimento de atração e diálogo", conta. No momento, Lisiane atua no Blacks at Microsoft, política da companhia de Bill Gates em prol da inclusão de negros através do uso da tecnologia como mecanismo de ascensão social.

Além deste, a pelotense faz parte também de outros dois projetos: o Mulheres do Brasil, cujas ações são centradas no mapeamento de negras a serem contratadas por empresas, e o coletivo Rede de Profissionais Negros, criado para que estas pessoas se conheçam e, consequentemente, se contratem mais.
Lisiane se diz satisfeita com o total de quatro mulheres negras representadas na lista da Forbes. Mostra que é possível, que é uma luta nada fácil, mas nunca solitária.

Movimento Negro comemora
Para o presidente do Conselho Negro de Pelotas, o professor e advogado Fábio Gonçalves, a conquista e o destaque nacional de Lisiane são importantes na medida em que se torna mais uma referência na luta para que a negritude possa ocupar cada vez mais locais importantes da sociedade. "Nos traz uma contribuição imedível, sobretudo pela figura da mulher negra aparecendo empoderada. Queremos ver muito mais Lisis no Executivo, no Judiciário, nas grandes empresas. É interessante o jovem negro ler a reportagem sobre ela e ver ali uma inspiração para vencer as agruras de uma família negra."